quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Santuário das Baleias






Condições naturais, associadas a medidas para a conservação da vida marinha, levam a que várias espécies de cetáceos encontrem nos Açores uma casa de paz e tranquilidade. Os mares do Arquipélago transformaram-se num dos melhores locais do mundo para a observação de baleias e golfinhos.



O mar irrompe em salpicos. Vários, simultâneos e alternados, aqui e ali. Primeiro longíquos, de origem imperceptível. Com a proximidade, percebe-se que as erupções da crosta de água não resultam de caprichos de marés. São golfinhos a exibirem-se, em saltos acrobáticos. Parecem sorrir num “olá” despreocupado aos humanos que os observam. Mostram que conseguem acompanhar a velocidade do barco, ora com a barbatana dorsal a rasgar a água, ora submersos com movimentos enérgicos da barbatana caudal.

Ao longe, novamente, uma turbulência no mar sob aspecto de esguicho de água. E o vislumbre de uma cabeça agigantada, apesar da distância, a subir à tona e a regressar ao fundo. Culmina o quadro com uma barbatana colossal, elevada no ar. Apetece cristalizar o passar dos segundos e a rotação da Terra. Um clique imortaliza o momento. E a baleia pode prosseguir pacificamente o seu trajecto.

O mar dos Açores é hoje em dia um lugar sagrado para os cetáceos. Cerca de um terço das espécies existentes no mundo circula pelas águas do Arquipélago. Nas migrações entre as altas e as baixas latitudes, algumas baleias traçam rota com paragem nesta “casa” aquática. O cachalote, outrora caçado numa epopeia de homens corajosos que forjaram o povoamento e subsistência de algumas ilhas, é o símbolo da fauna marinha açoriana.

Comum durante o ano inteiro, representa o tipo de espécies que frequentam grandes profundidades na proximidade da costa. A abundância de alimento agrada aos inquilinos marinhos.



24 espécies identificadas



O cachalote destaca-se pela cabeça achatada. Os machos medem entre os 11 e os 18 metros e pesam entre 20 a 50 toneladas. Recordistas de mergulho, podem submergir até aos três mil metros. Além deste simpático e característico animal, avistam-se continuamente nos mares açorianos o golfinho comum (o culpado pelos saltos fora de água), o roaz (de bico pontiagudo) e o grampo (delfinídeo de coloração esbranquiçada). No Verão juntam-se ao grupo o golfinho pintado, o golfinho riscado e a baleia-piloto-tropical.

A listagem já chegaria para atrair os novos caçadores do milénio, cujas capturas são feitas em artes fotográficas e, melhor que isso, de experiências únicas de contacto com estes fabulosos mamíferos. Mas o manancial açoriano ainda não esgotou. Durante a Primavera é frequente a afluência da baleia-comum, caracterizada pelo lábio e barbas do lado direito brancos, e da baleia-sardinheira, com manchas ovais esbranquiçadas no dorso cinzento escuro. Ambas impressionam pelas dimensões, que podem chegar até aos 20 metros no caso da baleia comum.

O cume do assombro está no entanto reservado pela baleia-azul. Maior cetáceo e animal do mundo, mede entre 24 a 27 metros e pesa mais de 100 toneladas. Este bom gigante de corpo azulado com manchas circulares mais claras, mostra-se durante a estação primaveril. Consegue permanecer imerso até 30 minutos. Mas sempre que regressa ao cimo da água, é garantia de acontecimento extraordinário. Apetece recorrer a todos os clichés imagináveis. Fiquemos pela doce melodia cantada por Louis Armstrong, a relembrar-nos de como o nosso mundo é maravilhoso. Em momentos assim, é mesmo. Observar um animal deste porte, que mesmo movendo-se com placidez acelera o ritmo cardíaco de quem o encara, é memória para durar toda a vida.











Em Busca das Raridades

Entre as espécies que ocasionalmente atravessam os mares açorianos, encontram-se as particulares baleias-de-bico, como a de bico-de-garrafa e o zílio, em que os machos apresentam dentes. Exemplares de baleia-anã e baleia-de-bossa (caracterizadas pela coloração das barbatanas peitorais e do ventre) podem surgir na época da Primavera.

Com sorte, a inconfundível orca fará uma aparição especial para completar a colecção de encontros especiais.



Tradições Recicladas

Em tempos idos, as vigias da baleia eram utilizadas por homens com visão de águia. Tinham a tarefa de avisar os baleeiros sempre que houvesse caça no mar. Actualmente algumas vigias estão novamente activas com gente a perscrutar o horizonte marítimo. Mas desta vez a intenção é descobrir os nobres cetáceos para que possam ser devidamente venerados e apreciados. Sem desperdiçar uma história feita por pescadores intrépidos, os Açores reciclaram a tradição baleeira. Os arpões cederam lugar às câmaras fotográficas, criando um novo templo sagrado da fauna marinha. O mundo agradece a preciosa dádiva.



Actividade Regulada

A observação de baleias é efectuada através de operadores turísticos licenciados, os quais estão concentrados principalmente nas ilhas do grupo Central. O Pico ocupa uma posição privilegiada nesta actividade, dada a extensa ligação histórica ao universo baleeiro. As empresas geralmente estão dotadas de equipas de skippers, biólogos e vigias que asseguram o desenrolar seguro, informado e cumpridor do código de conduta, antes e durante as saídas em observação que podem durar até três horas.



Código de Conduta

No sentido de salvaguardar a fauna marinha dos Açores foi criado um Código de Conduta da Observação de Cetáceos. Do conjunto de regras a cumprir sobressai a proibição de perseguir, perturbar e alimentar cetáceos ou poluir o mar:

As observações estão limitadas a períodos de trinta minutos. A natação está vedada com baleias, mas é possível praticá-la com golfinhos, na vertente de Sporting (mergulho apenas com óculos e tubo de respiração). Nadar junto a estes animais muito sociais e brincalhões resulta numa experiência emocionante a não perder.



Artes passadas

Instalado no piso superior do Peter Café Sport, na cidade da Horta, o Museu do Scrismshaw expõe uma extensa colecção particular da arte baleeira que consistia na gravação e pintura em marfim de cachalote. Os ossos e os dentes deste animal também foram utilizados para forjar peças utilitárias ou decorativas como punhos de bengala, dedais e caixas. O museu contempla ainda uma colecção de documentos e fotografias associadas à caça da baleia e à navegação.